Folk Tale

O principe que foi correr sua ventura

Translations / Adaptations

Text titleLanguageAuthorPublication Date
The Prince Who Wanted To See the WorldEnglishAndrew Lang1901
AuthorTeófilo Braga
Book TitleContos Tradicionaes do Povo Portuguez
Publication Date1883
ATU313
LanguagePortuguese
OriginPortugal

Havia n’uma terra um rei que tinha um filho, que não fazia senão pedir-lhe para ir correr o mundo; o rei por fim não pôde mais ter mão, e deu-lhe um grande sacco de dinheiro para a partida. Depois de ter andado muito, foi dar a uma estalagem onde encontrou um outro viajante. Conversaram, mas o viajante perguntou ao principe se não gostava de jogar; d’ahi a instante já estavam ferrados ao jogo. O viajante ganhou-lhe o sacco de dinheiro, e não tendo mais que lhe ganhar, propôz-lbe que jogassem mais uma vez, e no caso do principe ganhar tornava a dar-lhe o sacco de dinheiro, e no caso de perder o principe ficaria preso por trez annos n’aque1la casa, e o serviria como criado por mais outros trez. O principe aceitou a proposta, jogou e perdeu. O viajante tomou conta d’elle, prendeu-o em uma loja, e deu-lhe pão e agua de um dia para trez annos.

O principe chorava a sua má cabeça; ao fim de trez annos vieram soltal-o, e elle pôz-se a caminho para ir para casa do viajante, que era rei, servil-o como criado. Depois de ter andado muito, encontrou uma mulher com uma criancinha ao collo a chorar com fome. O principe ainda levava o resto de uma codinha de pão e um escorropicho de agua e deu tudo á mulher. Ella em agradecimento disse-lhe:

— Olhe, santinho, vá você sempre andando, e quando lhe vier um cheiro muito grande, é porque está perto de um jardim que está no caminho; entre para dentro, e vá-se esconder ao pé do tanque. Então hãode vir trez pombas tomar banho, e á ultima que se despir tire-lhe o vestido de pennas e não lh’o torne a dar senão em troca de trez cousas que ella lhe der. Aconteceu tudo como a mulher lhe tinha dito; apanhou o vestido de pennas da pombinha, e ella para o tornar a ter deu-lhe um annel, um collar e uma penna, dizendo-lhe:

— Quando te vires em alguma afflicção e disseres: — «Valha-me aqui a pomba», heide-te acudir; eu sou a filha do rei que vás servir, que tem uma grande raiva a teu pae; e que te ganhou tudo ao jogo para dar cabo de ti.

O principe apresentou-se em casa do rei, que lhe deu logo esta ordem:

— Toma este trigo, este milho e esta cevada para semeares, comtanto que eu ámanhã coma pão d’estas trez qualidades.

O principe ficou espantado, mas o rei não quiz saber de explicações; foi elle para o seu quarto todo atrapalhado da sua vida, e pega na penna dizendo:

— Valha-me aqui a pomba!

A pomba appareceu, e ficou sabendo tudo; e ao outro dia trouxe-lhe as trez qualidades de pão para o principe ir entregar ao rei. Quando o rei viu cumpridas as suas ordens, disse-lhe:

— Pois bem; já que foste capaz d’isto, vae agora ao fundo do mar buscar o annel que a minha filha mais velha lá perdeu.

Voltou o principe para o quarto e tornou a chamar pela pombinha; ella acudiu:

— Olha, ámanhã vae para a praia e leva uma bacia e uma faca e mette-te n’um barco.

Assim fez; a pomba metteu-se com elle no barco e foi por esses mares fóra. Já tinham andado muito, quando ella disse que lhe cortasse a cabeça, de modo que não cahisse uma gota de sangue no chão, e a atirasse para o mar. Seguiu tudo á risca. Passado pouco tempo sahiu do mar uma pomba com um annel no bico, largou-o na mão do principe e foi lavar-se no sangue que estava na bacia; tornou-se na cabeça de uma bella donzella e depois tornou a desapparecer. O principe foi entregar o annel ao rei, que ficou mais desesperado, e lembrou-se de lhe dar um maior trabalho:

— Hoje de tarde hasde sahir no meu poldro, para o ensinares.

O principe foi para o seu quarto e tornou a chamar pela pombinha, que lhe respondeu:

— Olha, o meu pae quer vêr se te mata por algum feitio; porque o poldro é elle mesmo, o selim é minha mãe, minhas irmãs são os estribos, e eu sou o freio. Não te esqueças de levar um bom cacete porque pódes consolar-te com uma carga de pau n’elles.

O principe montou no poldro, moeu-o com pancadas, e taes coisas fez que quando recolheu a casa e foi dar parte ao rei que o poldro estava manso, achou o rei de cama todo em pannos de vinagre, a rainha feita n’uma salada, as filhas derreadas, menos a mais nova. N’essa noite foi ella ter com o principe e disse-lhe:

— Agora, que estão todos doentes é que é boa occasião de fugirmos; vae á cavalhariça e aprompta o cavallo mais magro que lá achares.

O principe cahiu na asneira de apromptar o mais gordo. Quando se pozeram a caminho, e ella viu o cavallo gordo ficou muito contrariada, porque este cavallo andava como o vento, e o magro andava como o pensamento. Mas sempre fugiram. De noite o rei precisou da filha para o virar, e chamou por ella; nada. A rainha, que era refinada bruxa, pescou logo que a filha tinha fugido com o principe, e disse ao marido que saltasse já fóra da cama e que os fosse apanhar. O rei levantou-se a gemer com dôres, foi á cavalhariça e quando viu o cavallo magro ficou seguro de pilhal-os. Montou e partiu. A filha, que ia sempre desconfiada que déssem pela falta d’ella, avistou de longe o pae, e de repente transformou o cavallo em uma ermida, a si em uma santa e o principe em um ermitão.

Chegou o rei ao pé da capellinha, e perguntou se não tinha visto passar por ali uma menina com um cavalleiro. O ermitão levantou os olhos do chão e disse que por ali não passára viva alma. O rei foi-se embora aborrecido, e foi dizer á mulher que só tinha encontrado uma ermida com uma santa e um ermitão.

— Pois eram elles, disse a velha desesperada; se me tivesses trazido um bocadinho do vestido da santa ou um bocadinho de caliça da parede, tinha-os agora aqui em meu poder.

E tornou a fazer partir o velho no cavallo mais ligeiro que o pensamento. O velho foi avistado ainda de longe pela filha, que fez do cavallo um terreno, de si uma roseira carregadinha de rosas, e do principe o hortelão. Repetiu-se a mesma coisa; o velho virou para traz, mas a velha bruxa azoinava-o:

— Se me tivesses trazido uma rosa d’essa roseira, ou um punhadinho de terra, já cá os tinha em meu poder. Mas deixa estar, que d’esta vez vou eu tambem.

Quando a menina avistou a mãe sentiu um grande medo, porque sabia o poder que tinha; apenas teve tempo de fazer do cavallo um poço fundo, de si fez uma eiró, e do principe um cágado. A velha chegou á borda do poço, e conheceu-os logo. Perguntou á filha se não estava arrependida, e se quizesse voltar para casa que lhe perdoava. A eiró dizia com o rabo que não. A velha disse ao marido que atirasse uma bota ao poço para trazer uma gota d’agua, porque só com isso ficava com poder para agarrar a filha. Quando o rei tirava a bota cheia de agua, o cágado saltou para dentro d’ella e entornou-a toda; com a outra bota deu-se o mesmo caso.

Então a rainha muito zangada rogou ao cágado a praga que elle se esquecesse da princeza. Continuaram o seu caminho, mas a menina sempre muito triste. E quando o principe lhe perguntava o motivo da sua tristeza, ella respondia:

— É porque tenho a certeza de que me hasde esquecer.

Chegaram por fim á terra d’onde o principe era natural; deixou a menina em uma estalagem, e foi pedir ao pae licença para lhe apresentar a sua noiva. Com a alegria que teve de vêr a familia esqueceu-se da menina. O pae tratou de lhe fazer o casamento; quando a menina soube d’isto teve uma grande afflicção e gritou:

— Valham-me aqui minhas irmãs.

Appareceram-lhe. A mais velha disse:

— Não te afflijas; tudo se hade arranjar. — E deu ordem á estalajadeira que quando passasse algum criado do rei a comprar aves, que fosse ao quarto da irmã e vendesse trez pombinhas que estariam lá. Assim foi; o criado do rei comprou as trez pombinhas, e como eram muito lindas foi mostral-as ao principe.

O principe estava admirado, e quando ia pegar n’ellas uma saltou para cima da janella, e disse:

— Quando nos ouvir fallar, ainda mais admirado hade ficar.

Outra saltou para cima de uma mesa, e disse:

— Vae fallando, vae fallando, que elle se irá recordando.

A pombinha que lhe tinha ficado na mão saltou-lhe para cima do hombro e perguntou-lhe:

— Veja, principe, se este annel lhe serve.

O principe viu que sim. Depois deu-lhe um collar, e tambem servia. Por fim deu-lhe a penna, e só quando leu o nome da pomba é que se tornou a lembrar, e então casou com ella.


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