Folk Tale

As rãs pedindo rei

Translated From

Les Grenouilles qui demandent un roi

AuthorJean de La Fontaine
Book TitleFables Choisies
Publication Date0
LanguageFrench
AuthorFrancisco Palha
LanguagePortuguese
OriginFrance

«Viviam certas rãs num charco imundo Em república plena. Era um pagode! Tal qual uns democratas que há no mundo Julgando que a república, no fundo, Outra coisa não é senão a gente Fazer o que bem quer e quanto pode, A rã tripudiava impunemente Todos os dias era certo o choque Entre o batráquio forte, intransigente, E a parte da nação já descontente Que a Júpiter pedia ou rei ou roque.

O deus fez-lhe a vontade. Largou-lhe lá do céu um rei pacato, De suma gravidade.

Das alturas tombando, o rei na queda Fez tal espalhafato, Que as fêmeas em pavor, os machos fulos, Aquelas saltitando, estes aos pulos, Como é uso das rãs nas grandes crises, Cada qual a gritar: arreda! arreda! Entre os juncais, no lodo, nas raízes Dos salgueirais se enreda.

Por longo tempo em seus esconderijos Das rãs esteve homiziado o povo. Transformaram-se em medo os regozijos Da antiga bacanal. Gigante novo Cuidavam ser o rei que o céu lhes dera. Não ousavam sequer sair da toca; Pois, não raro, os instintos maus da fera Por imprudente a presa é que os provoca. Já nessas eras muito a pêlo vinha Dizer: Cautela e caldos de galinha...

O rei era um pedaço de madeira. Nem mais, nem menos. Numa bela tarde Uma das rãs, por ser menos covarde Ou mais bisbilhoteira, Tirou-se dos cuidados, manso e manso, Na flor das águas surge, e às guinadinhas Com muito tento e jeito, Do cepo se aproxima. Após ela vem outra...e outra... aos centos! Vendo que o rei não sai do seu ripanço, Rodeiam-no; coaxam: salta acima! E coaxado e feito!...

O rei, temido outrora, às picuinhas Dessa chusma vilã se vê sujeito. Em rápido momento Sobre ele a malta audaz se encarrapita, E faz do bom monarca um bom assento. Nem chus nem bus! Calado que nem porta, Qual fora noutros tempos!... Isto irrita. Rompem as rãs então numa algazarra Qu o pântano atordoa, Os fios de alma a quem as houve corta: «Leva daqui, ó Jove, esta almanjarra Que nem mexe, nem pune, nem perdoa, E mais parece uma alimária morta. Cabide duma croa, Em vez de nosso rei - nossa vergonha!» Vai Júpiter que faz? Uma cegonha, Das muitas que possui, logo destaca, E manda que das rãs ponha e disponha, Numa das mãos o queijo e noutra a faca.

Ora a cegonha, apenas em seu trono Dona das rãs se vê e sem ter dono, Diz consigo: «Nasci dentro dum fole! Quem tira agora o papo da miséria Sempre sou eu!...» Passeia toda séria, Perna aqui... perna além, num andar mole, E quanta rã apanha quanta engole.

Geral consternação o charco enluta, Renovam-se as lamúrias: Que o rei é doido e tem às vezes fúrias: Que, doido ou não, o povo trata à bruta: Por fim, que faça o deus formal promessa Doutro rei que as não coma tão depressa! O Júpiter tonante Destarte lhes responde: "Inútil prece! Dei-vos um rei tranquilo, inofensivo, Que nem sempre se tem nem se merece: Um rei que era um regalo! Foi vê-lo e pô-lo pela barra fora! Dei-vos um segundo: um génio um pouco vivo. Meninas, aguentá-lo! Era bom o primeiro e foi-se embora. É mau este de agora. Contentai-vos com ele, ó meus endezes, Que venha quem vier... pior mil vezes!"»


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