Folk Tale

História da Carochinha

AuthorAdolfo Coelho
Book TitleContos Populares Portuguezes
Publication Date1879
LanguagePortuguese
OriginPortugal

Era uma vez uma carochinha que andava a varrer a casa e achou cinco réis e foi logo ter com uma vizinha e perguntou-lhe: «Ó vizinha, que hei de eu fazer a estes cinco réis?» Respondeu-lhe a vizinha: «Compra doces.» «Nada, nada, que é lambarice.» Foi ter com outra vizinha e ela disse-lhe o mesmo; depois foi ainda ter com outra que lhe disse: «Compra fitas, flores, braceletes e brincos e vai-te pôr à janela e diz:

Quem quer casar com a carochinha Que é bonita e perfeitinha?»

Foi a carochinha comprar muitas fitas, rendas, flores, braceletes de ouro e brincos; enfeitou-se muito enfeitada e foi-se pôr à janela, dizendo:

«Quem quer casar com a carochinha Que é bonita e perfeitinha?»

Passou um boi e disse: «Quero eu.» «Como é a tua fala?» «U, u…» «Nada, nada, não me serves que me acordas os meninos de noite.» Depois tomou outra vez a dizer:

«Quem quer casar com a carochinha Que é bonita e perfeitinha?»

Passou um burro e disse: «Quero eu.» «Como é a tua fala?» «Em ó… em ó…» «Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.» Depois passou um porco e a carochinha disse-lhe: «Deixa-me ouvir a tua fala.» «On, on, on.» «Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.» Passou um cão e a carochinha disse-lhe: «Deixa-me ouvir a tua fala.» «Béu, béu.» «Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.» Passou um gato. «Como é a tua fala?» «Miau, miau.» Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.» Passou um ratinho e disse: «Quero eu.» «Como é a tua fala?» «Chi, chi, chi.» «Tu sim, tu sim; quero casar contigo», disse a carochinha. Então o ratinho casou com a carochinha e ficou-se chamando o João Ratão.

Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo chegado o domingo, a carochinha disse ao João Ratão que ficasse ele a tomar conta da panela que estava ao lume a cozer uns feijões para o jantar. O João Ratão foi para junto do lume e para ver se os feijões já estavam cozidos meteu a mão na panela e a mão ficou-lhe lá; meteu a outra; também lá ficou; meteu-lhe um pé; sucedeu-lhe o mesmo, e assim em seguida foi caindo todo na panela e cozeu-se com os feijões. Voltou a carochinha da missa e como não visse o João Ratão, procurou-o por todos os buracos e não o encontrou e disse para consigo: «Ele virá quando quiser e deixa-me ir comer os meus feijões.» Mas ao deitar os feijões no prato encontrou o João Ratão morto e cozido com eles. Então a carochinha começou a chorar em altos gritos e uma tripeça que ela tinha em casa perguntou-lhe:

Que tens, carochinha, Que estás aí a chorar? Morreu o João Ratão E por isso estou a chorar. E eu que sou tripeça Ponho-me a dançar.

Diz dali uma porta:

Que tens tu, tripeça, Que estás a dançar? Morreu o João Ratão, A Carochinha está a chorar, E eu que sou tripeça Pus-me a dançar. E eu que sou porta Ponho-me a abrir e a fechar.

Diz dali uma trave:

Que tens tu, porta, Que estás a abrir e a fechar? Morreu o João Ratão, A Carochinha está a chorar, A tripeça está a dançar, E eu que sou porta Pus-me a abrir e a fechar. E eu que sou trave Quebro-me.

Diz dali um pinheiro:

Que tens, trave, Que te quebraste? Morreu o João Ratão, Carochinha está a chorar, A tripeça está a dançar, A porta a abrir e a fechar, E eu quebrei-me. E eu que sou pinheiro Arranco-me.

Vieram os passarinhos para descansar no pinheiro e viram-no arrancado e disseram:

Que tens, pinheiro, Que estás no chão? Morreu o João Ratão, A Carochinha está a chorar, A tripeça está a dançar, A porta a abrir e a fechar, A trave quebrou-se, E eu arranquei-me. E nós que somos passarinhos Vamos tirar os nossos olhinhos.

Os passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram à fonte beber água. E diz-lhe a fonte:

Porque foi passarinhos, Que tirastes os olhinhos? Morreu o João Ratão, A Carochinha está a chorar, A tripeça a dançar, A porta a abrir e a fechar, A trave quebrou-se, O pinheiro arrancou-se, E nós, passarinhos, Tirámos os olhinhos. E eu que sou fonte Seco-me.

Vieram os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem água da fonte e acharam-na seca e disseram:

Que tens, fonte, Que secaste? Morreu o João Ratão, A carochinha está a chorar, A tripeça a dançar, A porta a abrir e a fechar, A trave quebrou-se, O pinheiro arrancou-se, Os passarinhos tiraram os olhinhos, E eu sequei-me. E nós quebramos os cantarinhos.

E foram os meninos para o palácio e a rainha perguntou-lhes:

Que tendes, meninos, Que quebrastes os cantarinhos? Morreu o João Ratão, A carochinha está a chorar, A tripeça a dançar, A porta a abrir e a fechar, A trave quebrou-se, O pinheiro arrancou-se, Os passarinhos tiraram os olhinhos, A fonte secou-se, E nós quebrámos os cantarinhos. Pois eu que sou rainha Andarei em fralda pela cozinha.

Diz dali o rei:

E eu que sou o rei Pelas brasas me arrastarei


Text viewBook