Folk Tale

A Família Feliz

Translated From

Den lykkelige Familie

AuthorH.C. Andersen
Book TitleEventyr
Publication Date1848
LanguageDanish

Other Translations / Adaptations

Text titleLanguageAuthorPublication Date
De gelukkige familieDutch__
Die glückliche FamilieGerman__
La famiglia feliceItalian__
La familia felizSpanish__
The happy familyEnglishH. P. Paull1872
L'heureuse familleFrench__
LanguagePortuguese
OriginDenmark

A maior folha que existe neste país é, sem sombra de dúvida, a folha de bardana. Se colocares uma destas folhas em frente do teu estômago, verás que parece um avental; e, nos dias chuvosos, se colocares uma sobre a cabeça, verás que é quase tão boa como um guarda-chuva. É incrivelmente grande. Ora acontece que uma bardana nunca cresce isolada; não, quando vires uma, decerto que verás muitas mais em redor. É uma vista esplendorosa. E todo este esplendor não passa de comida de caracóis - os grandes caracóis brancos que, antigamente, as famílias distintas mandavam cozinhar de fricassé. Quando os comiam, lambiam os lábios e exclamavam: “Hum… que maravilha!”, porque, sabe-se lá porquê, achavam-nos deliciosos. Como te digo, os caracóis alimentavam-se das folhas de bardana, e foi por essa razão que foi semeada a primeira bardana.

Houve, em tempos, uma velha mansão. As pessoas que aí viviam deixaram de comer caracóis. Os caracóis morreram quase todos, mas as bardanas não. Cresceram por toda a parte, invadindo os caminhos e os canteiros de flores, de tal forma que o local parecia uma floresta de bardanas. Ainda se podia ver uma ou outra macieira mas, para além disso, ninguém podia imaginar que outrora existira nesse lugar um lindo jardim. As bardanas estavam por todo o lado e, entre elas, viviam os dois últimos e velhos caracóis.

Nem eles próprios sabiam já a sua idade, mas recordavam-se perfeitamente que tinham sido muitos mais, que descendiam de uma nobre família estrangeira, e sabiam muito bem que toda a floresta tinha sido plantada especialmente para eles. Nunca tinham saído dali, mas sabiam que, lá longe, havia um lugar chamado mansão onde eram cozidos até ficarem negros, e depois postos numa travessa de prata; mas não faziam a menor ideia do que acontecia depois. Além disso, não conseguiam imaginar a sensação de serem cozidos e estendidos numa travessa de prata, mas todos afirmavam que devia ser maravilhoso e muito fino. Nem o escaravelho, nem o sapo, nem a minhoca, a quem tinham interrogado, souberam informá-los. Nunca nenhum deles tinha sido cozido e colocado numa travessa de prata.

Os velhos caracóis brancos eram os mais nobres do mundo, disso tinham eles a certeza. A floresta existia por sua causa e a mansão estava lá para que pudessem ser cozidos e postos numa travessa de prata.

Viviam muito sós, mas felizes. Como não tinham filhos, adoptaram um caracolzito vulgar que educaram como se fosse seu filho. O pequeno não crescia, porque era apenas um caracol de uma espécie vulgar.

Um dia, choveu a cântaros.

- Ouve como as gotas batem nas folhas de bardana – disse o velho caracol.

- Sim, e chegam até aqui – observou a mãe. – Descem pelo caule da planta. Vai ficar tudo encharcado, não tarda nada. É uma sorte termos a nossa própria casa. Salta à vista que somos os seres vivos mais afortunados, somos os reis da criação! Nascemos com casa própria e plantaram um bosque de bardanas para nosso uso exclusivo. O que haverá para além dele?

- Não há nada – respondeu o pai. – Este é o melhor sítio do mundo. Em nenhum outro lugar se pode viver tão bem como aqui.

- Sim - concordou a mãe. – Gostava muito de ir para a mansão, de ser cozida e de ser posta numa travessa de prata. Todos os nossos antepassados tiveram esse destino e, acredita, deve ser extraordinário.

- A mansão já não deve existir – observou o pai – ou, então, talvez a floresta de bardanas tenha crescido tanto que a tenha tapado e as pessoas já não possam sair de lá. Além disso, não há pressa nenhuma. És muito impaciente e o miúdo segue o teu exemplo. Há três dias que está a subir o caule. Até tenho vertigens quando olho lá para cima.

- Não sejas rezingão – respondeu a mãe. – O miúdo trepa com muito cuidado e estou certa que ainda nos vai dar muitas alegrias. Afinal de contas só o temos a ele. Já alguma vez pensaste em arranjar-lhe uma noiva? Não achas que ainda pode haver alguém da nossa espécie nos confins do bosque de bardanas?

- É possível que existam lesmas pretas por aí – respondeu o pai. – Pretas e sem casa! Muito vulgares! E, além disso, são presumidas. Mas vamos perguntar às formigas que andam sempre de lá para cá, como se tivessem muito que fazer. Devem conhecer a noiva ideal para o nosso rapaz.

- Conheço uma noiva lindíssima, – disse uma das formigas – mas não sei se está interessada, porque é uma rainha.

- Isso não tem importância! – Interrompeu, impaciente, a mãe. - Tem casa própria?

- Tem um castelo! – Replicou a formiga. – O mais belo castelo de formigas que existe, com setecentos corredores!

- Muito obrigada, – disse a mãe – mas o nosso filho não vai viver num formigueiro. Se não conheces uma noiva mais adequada, vamos perguntar aos mosquitos brancos. Quer chova, quer faça sol, nunca param de voar. Conhecem a floresta de bardanas por dentro e por fora.

- Encontrámos a noiva ideal para ele – informaram os mosquitos. – A cem passos de homem daqui, num arbusto de groselhas, vive uma menina caracol com casa própria. Está sozinha no mundo e em muito boa idade para casar. Mora só a cem passos de homem daqui!

- Muito bem, mas é ela que tem que vir até cá – responderam os pais caracóis. – Afinal de contas, o nosso filho é senhor de uma floresta inteira, enquanto ela possui apenas um arbusto.

Então, os mosquitos deram o recado à menina caracol e ela pôs-se a caminho. Demorou oito dias a chegar, o que só provou que pertencia a uma bela espécie.

A festa do casamento foi um encanto! Seis pirilampos iluminaram o local o melhor que puderam mas, para além disso, foi uma cerimónia bastante pacata porque os velhos caracóis não gostavam de festas nem de barulho. A mãe caracol fez um lindo discurso, mas o pai estava demasiado emocionado para falar. Ofereceram ao jovem casal toda a floresta de bardanas e repetiram o que sempre haviam dito: que aquele era o melhor sítio do mundo e que, se vivessem honestamente e se multiplicassem, eles e os filhos teriam um dia a honra de serem levados para a mansão onde seriam cozidos e postos numa travessa de prata.

Depois do discurso, os velhos caracóis recolheram-se nas suas casas e nunca mais saíram porque adormeceram. O jovem casal reinou na floresta e teve muitos filhos. Como nenhum deles foi cozido e posto numa travessa de prata, concluíram que a mansão tinha ruído e que a humanidade desaparecera da face da terra. A chuva caía sobre as bardanas unicamente para que eles ouvissem o seu ruído e o Sol brilhava apenas para que se deleitassem com as cores das folhas. Foram muito felizes. Na verdade, toda a família foi muito, muito feliz.


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