Text view
A raposa e a cegonha
Author | Curvo Semedo |
---|---|
ATU | 60 |
Language | Portuguese |
Origin | France |
Quis a raposa matreira Que excede a todas na ronha. Lá por piques de outro tempo, Pregar um ópio à cegonha.
Topando-a, lhe diz: "Comadre, Tenho amanhã belas migas, E eu nada como com gosto Sem convidar as amigas.
De lá ir jantar comigo Quero que tenha a bondade: Vá em jejum porque pode Tirar-lhe o almoço a vontade".
Agradeceu-lhe a cegonha Uma oferenda tão singela, E contava que teria Uma grande fartadela.
Ao sítio aprazado foi. Era meio-dia em ponto. E com efeito a raposa Já tinha o banquete pronto.
Espalhadas em um lajedo Pôs as migas do jantar E à cegonha diz: "Comadre, Aqui as tenho a esfriar.
Creio que são muito boas, — Sansfaçon, — vamos a elas". Eis logo chupa metade Nas primeiras lambidelas.
No longo bico a cegonha Nada podia apanhar; E a raposa em ar de mofa, Mamou inteiro o jantar.
Ficando morta de fome, Não disse nada a cegonha; Mas logo jurou vingar-se Daquela pouca vergonha.
A dar-me o gosto amanhã D'ir também jantar comigo".
A raposa lambisqueira Na cegonha se fiou, E ao convite, às horas dadas, No outro dia não faltou.
Uma botija com papas Pronta a cegonha lhe tinha; E diz-lhe: "Sem cerimônia, A elas, comadre minha".
Já pelo estreito gargalo Comendo, o bico metia; E a esperta só lambiscava O que à cegonha caía.
Ela, depois de estar farta, Lhe disse: "Prezada amiga, Demos mil graças ao céu Por nos encher a barriga".
A raposa conhecendo A vingança da cegonha, Safou-se de orelha baixa. Com mais fome que vergonha.
Enganadores nocivos, Aprendei esta lição. Tramas com tramas se pagam. Que é pena de Talião.
Se quase sempre os que iludem Sem que os iludam não passam. Nunca ninguém faça aos outros O que não quer que lhe façam.