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A pomba e a formiga
Author | Curvo Semedo |
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Language | Portuguese |
Origin | France |
Enquanto a sede uma pomba Em clara fonte mitiga, Vê por um triste desastre Cair n'água uma formiga.
Naquele vasto oceano A pobre luta e braceja, E vir à margem da fonte Inutilmente deseja.
A pomba, por ter dó dela, N'água uma ervinha lança; Neste vasto promontório A triste salvar-se alcança.
Na terra a põe uma aragem; E livre do precipício, Acha logo ocasião De pagar o benefício:
Que vê atrás de um valado, já fazendo à pomba festa, Um descalço caçador Que dura farpa lhe assesta.
Supondo-a já na panela, Diz: "Hei de te hoje cear!" Mas nisto a formiga astuta Lhe morde num calcanhar.
Sucumbe à dor, torce o corpo, Erra o tiro, a pomba foge; Diz-lhe a formiga: "Coitado! Foi-se embora a ceia de hoje!"
De boca aberta ficando, Conhece o pobre glutão Que só devemos contar Com o que temos na mão.
E posto enfim que haja ingratos, Notar devemos também Que as mais das vezes no mundo Não se perde o fazer bem.